Reclamo, logo existo.

Livrando a Mente 💭 - Edição #01

Eu reclamo

tu reclamas

eles reclamam

E nem precisamos chegar até a terceira pessoa do plural para constatar o óbvio, todo mundo reclama.

Apesar de só o "vós" usar o estiloso "reclamais", cada um sabe onde o sapato aperta, e onde costumamos jogar nossas lamúrias.

Reclamar é aquele hábito que nem precisamos dos 21 dias para chamar de nosso. Reclamou, ele já se entrega de bandeja, é seu.

Convenhamos, reclamar é bom e parece fazer bem para a pele. Nos permite colocar para fora o que nos angustia e ainda ajuda na socialização.

Para alguns inclusive, é a única forma de ser notado que a baixa autoestima permite.

Que mal poderia haver em um hábito aparentemente inofensivo?

E o que a filosofia tem a ver com tudo isso?

Reclamar e... só

Reclamar, na maior parte das vezes, é um fim em si mesmo, cumpre seu papel com a mera execução.

Não se reclama para que as coisas melhorem, mas para que sejam notadas e, uma vez percebidas, finaliza-se.

Ou alguém, logo após reclamar do preço da gasolina, entrou instantaneamente em um protesto na rua ou foi fazer pressão em algum lugar?

A cada ato de reclamação você leva sua consciência para o local menos aconselhável, o próprio problema.

Reclamar é se concentrar no que não queremos

Will Bowen

Perceba, não há problema algum em olhar para o problema, é inclusive a única forma de identificá-lo. O problema está na fixação demorada nele, o que pode até levar à identificação com o problema. O que gera pessoas que se queixam tanto que parece que só sabem fazer isso.

Uma vez que já sabemos o problema, o que podemos ganhar ao nos fixarmos nele?

Nada. Agora a perda pode ser um mundo.

Tudo que falar pode ser usado contra você 🫢 

Reclamar te faz um alvo.

Um ouvinte atento e mal intencionado é o que de pior pode acontecer ao reclamão.

Ele consegue perceber medos, angústias e desilusões que a pessoa não tem coragem de conscientemente expor, mas saem sutilmente em uma reclamação à toa.

Informações que podem, inclusive, ser usadas para lhe prejudicar.

Uma pessoa que reclama contra o registro de ponto, mostra indícios de problema com pontualidade.

Quem reclama de ter "dedo podre" nas relações, demonstra provável problema de autoestima ou relações antigas não resolvidas.

Desta forma, reclamar é andar com um alvo nas costas, e o pior, divulgar isso. Mas este é apenas um dos problemas, e quando a reclamação lhe tira da realidade?

Fazer uso frequente da reclamação, aliado ao fato de vivermos em bolhas sociais, reduz nossa capacidade de pensamento critico, e pior, pode fazer com que descolemos da realidade.

Meu dinheiro é só para os meus brincos, minhas pulseiras e meus sapatos

Reclamou a angustiada e revoltada procuradora do ministério público, ao se queixar de um salário de mais de R$ 39.000,00, quantia que, segundo ela, era insuficiente para se manter.

A angústia da servidora era real, não há dúvida disso. Altos salários são apenas castelos de cartas se a mesa do custo de vida não para de chacoalhar.

E o que mostra essa reclamação?

Mostra que a servidora, apesar do alto salário, tem um custo de vida exorbitante, de forma que não é suficiente para suas despesas.

E o que ela ganha ao reclamar disso publicamente?

A revolta da maioria da população, que se vira nos 30 para viver com um salário muito abaixo dessa quantia, eventuais movimentos legislativos de cortes de regalias, críticas e, algumas vezes, até perseguições.

Quem é bom em reclamar, não é bom em mais nada.

Uma das melhores razões para deixar de reclamar é que, ao fazermos isso, deixamos de gastar energia com o problema, e a direcionamos para a solução.

Entrar em ação, assumir responsabilidades e pôr a mão na massa vai fazer muito mais por você do que reclamar, que apenas expõe suas fragilidades para quem quer ouvir.

Mas mesmo sabendo disso, por qual razão continuamos reclamando?

A questão tem explicações biológicas.

A economia em culpar

O Cérebro e a economia de energia

No excelente Factfullness, Hans Hosling escreve que o instinto de culpar é algo natural, já vem de fábrica e não podemos desligar, apenas perceber.

Trata-se uma estratégia de economia de energia do cérebro pois, no momento em que achamos um culpado por algo, ele automaticamente deixa de processar possíveis soluções, o processamento para e se economiza energia.

Lembre-se da última vez que você foi procurar algo, enquanto procurava, estava angustiado e ansioso para achar. Mas eis que nosso cérebro, ninja da economia, joga a seguinte pergunta no ar:

Quem pegou?

Enquanto a resposta não vem, saímos imediatamente daquele estado de agonia e tristeza. Isso se deve por retirarmos, momentaneamente, nossa responsabilidade e atribuirmos a outrem.

Isso nada mais é do que seu cérebro querendo economizar o máximo a energia para não ter que procurar ou se lembrar de todo o seu comportamento anterior para solucionar a questão.

Quando identificamos o vilão, paramos de pensar.

Hans Rosling

Achar um culpado ou causa para nossas aflições terceiriza o problema, tira de sua esfera de responsabilidade e, naturalmente, impede que você aja.

É exatamente o que os usuários contínuos de reclamações fazem, acham culpados.

Reclamar é dirigir com o pneu furado.

Reclamar é andar com pneu furado.

Imagine que você está andando com seu carro e o pneu fura. Mas ao invés de ir ao porta-malas, pegar o estepe e realizar a troca, você culpa a empresa que vendeu o pneu, tira foto do pneu furado e publica, como forma de protesto pela má qualidade da via, culpa a Administração Pública.

Após todas essas medidas, você volta ao carro e continua a dirigir com o pneu furado, o que leva a andar mais devagar, destruir outros componentes do carro e ainda deixar o trânsito mais lento.

Isso é basicamente o que um reclamão faz no ambiente em que habita: ele se desenvolve mais devagar, cria problemas para si e ainda piora o ambiente de todos que convivem com ele.

Reclamar é um hábito que deteriora tudo com que tem contato, um genuíno Toque de Sadim (midas ao contrário).

Mas como podemos combater esta chaga?

Primeiro, entendendo que nem tudo é o que parece.

O mundo não é objetivo.

Com que cores você pinta o mundo?

Trata-se de um fato há muito constatado pela filosofia. O mundo não tem sinal, não é bom ou mal, ele apenas é o que é, sem partido, sem cor, sem preferências. A positividade ou negatividade que atribuímos é como o vemos.

Chuva é motivo de agradecimento a Deus por quem reside em regiões áridas, mas é motivo de preocupação e tristeza para quem planta uva.

Acordar cedo é um castigo para muitos, e libertador para outros tantos.

Chover e acordar cedo não são bons ou ruins em absoluto, não tem qualquer carga positiva ou negativa, essa atribuição é papel do agente.

Esse raciocínio pode ser aplicado a praticamente tudo. E é especialmente utilizado pela corrente filosófica estóica. Mas antes, vamos falar de um escravo.

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